quarta-feira, 24 de março de 2010

Transtornos de Défcit de Atenção/Hiperatividade (T.D.A.H): Atualização Clínica

José Raimundo Facion1

Resumo

Este artigo, além de fazer uma revisão bibliográfica, apresenta uma definição mais moderna sobre o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade de acordo com o manual internacional de transtornos mentais (DSM-IVTM). Depois de apresentar os resultados de estudos epidemiológicos transculturais, busca discutir algumas hipóteses etiológicas, sendo as principais: Defeitos orgânico-cerebrais, fatores neuroquímicos, fatores genéticos e fatores alergênicos. A partir destas hipóteses tenta-se propor algumas implicações práticas, tanto do ponto de vista pedagógico como terapêutico.

Palavras-chave: Hiperatividade, distúrbio de comportamento, Déficit de Atenção



Um dos grandes problemas que nossas escolas vêm enfrentando nos dias de hoje é a administração dos conflitos surgidos com alunos portadores de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH). Mas o que é isto? O TDAH manifesta-se através das características centrais da hiperatividade, do distúrbio de atenção (ou concentração), da impulsividade e da agitação.

Como conseqüência destes sintomas surgem muitas vezes outros graves problemas como distúrbios emocionais e dissociais de aprendizagem e aproveitamento.

De acordo com o DSM-IV-TR (2003), este transtorno é assim definido:

Alguns sintomas hiperativo-impulsivos que causam prejuízo devem ter estado presentes antes dos 7 anos, mas muitos indivíduos são diagnosticados depois, após a presença dos

sintomas por alguns anos. Algum prejuízo devido aos sintomas deve estar presente em pelo menos dois contextos (por ex., em casa e na escola ou trabalho). Deve haver claras evidências de interferência no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional apropriado em termos evolutivos. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico e não é mais bem explicada por um outro transtorno mental (por ex., Transtorno do Humor, Transtorno de Ansiedade, Transtorno Dissociativo ou Transtorno da Personalidade).

Os indivíduos com este transtorno podem não prestar muita atenção a detalhes ou podem cometer erros por falta de cuidados nos trabalhos escolares ou outras tarefas. O trabalho freqüentemente é confuso e realizado sem meticulosidade nem consideração adequada. Os indivíduos com freqüência têm dificuldade para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas e consideram difícil persistir em tarefas até seu término. Eles freqüentemente dão a impressão de estarem com a mente em outro local, ou de não escutarem o que recém foi dito. Os indivíduos diagnosticados com este transtorno podem iniciar uma tarefa, passar para outra, depois voltar a atenção para outra coisa antes de completarem qualquer uma de suas incumbências. Eles freqüentemente não atendem a solicitações ou instruções e não conseguem completar o trabalho escolar, tarefas domésticas ou outros deveres. O fracasso para completar tarefas deve ser considerado, ao fazer o diagnóstico, apenas se ele for devido à desatenção, ao invés de outras possíveis razões (por ex., um fracasso para compreender instruções)... As tarefas que exigem um esforço mental constante são vivenciadas como desagradáveis e acentuadamente aversivas. Por conseguinte, esses indivíduos em geral evitam ou têm forte antipatia por atividades que exigem dedicação ou esforço mental prolongados ou que exigem organização ou concentração (por ex., trabalhos escolares ou burocráticos). Os hábitos de trabalho freqüentemente são desorganizados e os materiais necessários para a realização da tarefa com freqüência são espalhados, perdidos ou manuseados com descuido e danificados. Os indivíduos com este transtorno são facilmente distraídos por estímulos irrelevantes e habitualmente inter-rompem tarefas em andamento para dar atenção a ruídos ou eventos triviais que em geral são facilmente ignorados por outros (por ex., a buzina de um automóvel, uma conversa ao fundo). Eles freqüentemente se esquecem de coisas nas atividades diárias (por ex., faltar a compromissos marcados, esquecer de levar o lanche para o trabalho ou a escola). Nas situações sociais, a desatenção pode manifestarse por freqüentes mudanças de assunto, falta de atenção ao que os outros dizem, distração durante as conversas e falta de atenção a detalhes ou regras em jogos ou atividades.

Em adolescentes e adultos, os sintomas de hiperatividade assumem a forma de sensações de inquietação e dificuldade para envolver-se em atividades tranqüilas e sedentárias. As manifestações comportamentais geralmente aparecem em múltiplos contextos, incluindo a própria casa, a escola, o trabalho ou situações sociais... Os sinais do transtorno podem ser mínimos ou estarem ausentes quando o indivíduo se encontra sob um controle rígido, está em um contexto novo, está envolvido em atividades especialmente interessantes, em uma situação a dois (por ex., no consultório do médico) ou enquanto recebe recompensas freqüentes por um comportamento apropriado (p. 112-113).



Epidemiologia



Segundo Facion (1991), estudos transculturais nos E.U.A., Alemanha, Nova Zelândia e Uganda comprovam que a hiperatividade não representa um produto da civilização ocidental. Portanto, os sintomas do T.D.A.H. são aparentemente independentes do tempo e da cultura.

Dados de prevalência encontram-se na literatura, exclusivamente referentes à amostragem entre os alunos de escolas. Nos E.U.A. são indicados 3 a 15%, na Alemanha cerca de 9% da população escolar. Este transtorno é muito mais freqüente no sexo masculino, com as razões masculino-feminino sendo de 4:1 a 9:1. Estas oscilações são resultados tanto de problemas de classificação como de definições de casos escolares de pesquisas singulares. No Brasil não temos conhecimento de nenhum levantamento sistemático realizado sobre este transtorno (Facion, ibidem).



Etiologia



Não se conhece ainda as causas do T.D.A.H.. Na maioria dos casos não se observa evidências de amplas lesões estruturais ou doenças no sistema nervoso central.

Há uma série de hipóteses relacionadas com este transtorno. São elas:

a) Defeitos orgânico-cerebrais: Aqui se supõe um distúrbio da função do cérebro na primeira infância provocada por uma lesão pré, peri ou pós-natal no Sistema Nervoso Central. Esta poderia ter sido causada por problemas circulatórios, tóxicos, metabólicos etc., ou por stress e problemas físicos no cérebro durante a primeira infância, causados por infecção, inflamação e traumatismos. Muitas vezes são sinais bem sutis e subclínicos. Porém não se sabe bem ainda sobre a total validade desta correlação, visto que os fatores de risco estão presentes em outros distúrbios diferentes, além de nem todas as crianças portadoras deste transtorno, terem sido vítimas destes fatores de risco.

Os mecanismos exatos pelos quais se desenvolve um transtorno de várias funções dos centros nervosos são ainda desconhecidos. Os Eletroencefalogramas (EEGs) e as Imagens por Ressonância Magnética (IRM) ou as Tomografias Computadorizadas (TCs), não reconhecem ainda os indícios para diagnósticos específicos, ou seja, para a identificação do transtorno.

Supondo-se uma causa orgânica, reuniu-se uma série de itens de anomalias físicas, chamadas “minor”, anomalias estas muitas vezes, mas não somente, que podem ser observadas em crianças com T.D.A.H.

b) Fatores Neuroquímicos: Através de experiências clínicas com uso de estimulantes (anfetaminas, entre outros) ou drogas tricíclicas (como por ex., a desipramina), pode-se conseguir resultados terapêuticos evidentes em crianças hiperativas. Por isto, supõe-se uma ação desequilibrada dos centros excitatórios e inibidores do Sistema Nervoso Central, causada por distúrbios no metabolismo de aminoácidos e dos neurotransmissores: noradrenalina, serotonina e dopamina. Na realidade não existem evidências claras implicando um único neurotransmissor no desenvolvimento do T.D.A.H. Muitos neurotransmissores podem estar envolvidos no processo.

c) Fatores genéticos: Investigações com familiares e gêmeos de crianças com T.D.A.H. indicaram uma alta correlação hereditária das crianças atingidas (Rohde e Benczik, 1999). No caso de famílias com mais de um hiperativo, foram encontrados alcoolismo e distúrbios sociopatas nos pais e distúrbios histéricos nas mães. Em conseqüência disto é suposto aqui uma sucessão poligenética (Facion, 1991).

Outros estudos também sugerem que existe uma prevalência superior de Transtornos do Humor, e de Ansiedade, Transtorno da Aprendizagem, Transtornos Relacionados a Substâncias e Transtorno da Personalidade Anti-Social nos membros das famílias de indivíduos com o T.D.A.H. (Barkley, 1995).

d) Fatores alergênicos: Incentivado por observações de casos clínicos isolados, há alguns anos, nos países anglo-americanos, discute-se a possibilidade de que este transtorno seja causado por determinados ingredientes presentes nos alimentos. Muitos estudos respectivos ocupam-se com os efeitos de salicítricos e de fosfatos na alimentação, dentre eles a Liga Antiphosfato, uma Organização não Governamental sediada em Hamburgo, na Alemanha. Esta organização faz experimentos há vários anos com crianças portadoras do T.D.A.H. usando a dieta livre de fosfato. De acordo com os relatos e materiais informativos (folders e boletins) divulgados pelos profissionais que nela atuam os resultados, em vários casos, são bastante promissores.

Entretanto, as altas expectativas iniciais aqui apresentadas não puderam ser confirmadas. A chamada dieta de fosfato mostrou-se como eficaz somente no caso de certas crianças e somente sob certas condições.



Curso e Prognóstico



O T.D.A.H. é geralmente diagnosticado quando a criança começa a freqüentar a escola ainda que os sintomas já estejam presentes antes disto. Os principais sintomas podem persistir na adolescência e até na vida adulta. É, em alguns casos, comum observar uma remissão na puberdade e sendo ainda mais comum na juventude. Esta remissão pode permitir uma vida adolescente ou adulta mais produtiva, relacionamentos interpessoais gratificantes e poucas seqüelas significativas. A maioria destas pessoas, entretanto, apresentam uma remissão somente parcial e podem ficar bastante vulneráveis ao distúrbio da personalidade antisocial e a outros distúrbios da personalidade e do humor.

De acordo com Kaplan, Sadock & Grebb (2002), em cerca de 15 a 20% dos casos, os sintomas persistem na vida adulta. Ainda que a hiperatividade apresente uma melhora, os indivíduos podem apresentar uma impulsividade, estando propensos a acidentes. Observa-se também que as famílias destes, normalmente, estão estruturadas de uma forma caótica.



Tratamento



Atualmente as terapias que apresentam melhores resultados nos casos de T.D.A.H. são:

a) Farmacológica: As alternativas farmacológicas para o tratamento das pessoas portadoras deste transtorno podem ser divididas em 3 grupos:

1. Psicoestimulantes (anfetamínicos, metilfenidatos e pemolinos),

2. Neurolépticos,

3. Antidepressivos tricíclicos.

Especialmente no tratamento com estimulantes, o controle motor e a capacidade de atenção puderam ser positivamente influenciados (Kaplan, Sadock & Grebb, 2002). Entretanto, a medicação parece ser útil apenas nos casos em que a manifestação do transtorno tem como sintomas cardiais a impulsividade, inquietação motora e distúrbios de atenção. Nas formas do transtorno, nos quais predominam um comportamento anti-social ou agressivo, ou distúrbios de capacidade parcializada, esses grupos farmacológicos não são indicados devido ao seu efeito insuficiente e possibilidade de efeitos colaterais.

b) Tratamento Dietético: Baseado nos princípios já citados nas hipóteses etiológicas, que consideram os fosfatos alimentícios, ingredientes artificiais de sabor, conservantes e corantes nos alimentos como fatores, senão causadores, reforçadores destes transtornos. Sendo assim, são elaborados planos de dieta livres destas substâncias. Observa-se em vários casos – principalmente quando se trata de crianças que mantêm um nível de inteligência e capacidades acadêmicas dentro dos padrões da normalidade – uma melhora significativa tanto no comportamento quanto na organização da escrita e da leitura.

Contudo, os resultados destas pesquisas e experiências não são suficientes para a comprovação das hipóteses, pois, em outros casos, este procedimento não tem demonstrado resultado algum.

c) Princípios Psicoterapêuticos: Duas modalidades psicoterapêuticas têm demonstrado alguns avanços no tratamento de pessoas com T.D.A.H.:

1. Psicoterapia e Medicina Comportamental: fundamentado e orientado nos princípios da teoria behaviorista de reforço, os indivíduos são “recompensados” regularmente quando permanecem realizando uma atividade por um determinado período de tempo (que inicialmente pode ser limitado e, posteriormente, sucessivamente aumentado). A recompensa realiza-se através de atitudes carinhosas, afetuosas acompanhadas de elogios. De maneira semelhante, outras formas de comportamento, como controle motor podem ser reforçados sistematicamente, integrando, deste modo, o repertório de comportamento dos pacientes.

O objetivo central desta modalidade é treinar o indivíduo a exercer um controle sobre os seus próprios comportamentos.

2. Treinos de auto-instrução: Este treino, uma adaptação do modelo proposto por Meichenbaum (1979), executa-se em três etapas:

2.1A criança observa o pedagogo (a professora) realizando determinado trabalho, com calma e concentração (por ex., faz um desenho), comentando em voz alta suas atividades (“eu pinto agora devagar esse canto”).

2.2A criança é solicitada para efetuar a tarefa observada e verbalizá-la em voz alta da mesma maneira que a professora.

2.3 As auto-instruções faladas em voz alta são substituídas pela tonalidade de voz cada vez mais reduzida, até que a criança seja capaz de estruturar sua atividade verbal em nível de pensamento.

A orientação familiar assim como as modalidades de modificações de comportamento são sempre necessárias. A estruturação do ambiente, a organização do ciclo circadiano e a educação com limites podem ajudar a diminuir o nível de ansiedade e desorganização da pessoa com T.D.A.H.. Sendo assim, os pais, professoras e profissionais da saúde mental devem estabelecer uma estrutura de relacionamento organizada, previsível de recompensas e punições (procedimento explicado por Caballo, 1996). Os familiares devem ser orientados no sentido de compreender que a permissividade, a compaixão, a falta de limites não são úteis para a criança. Elas não se beneficiam por serem dispensadas das exigências, expectativas e planejamentos da vida diária de qualquer outro indivíduo.

Estes procedimentos são especialmente adequados para contribuir com o desenvolvimento do potencial de atenção e concentração, estimulando o aumento geral dos resultados. Com tudo isto pode-se diminuir o grau de sofrimento tanto da criança como das pessoas que convivem com ela no dia a dia.



Revista de Psicologia da UnC, vol. 1, n. 2, p. 54-58

www.nead.uncnet.br/revista/psicologia

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